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A longevidade e outras peculiaridades dos personagens no Velho Testamento

Ao ler os capítulos introdutórios de Gênesis, os leitores podem ficar confusos com a longevidade e outras peculiaridades dos personagens no Velho Testamento. Mesmo uma leitura casual sugere que a vida antes do dilúvio de Noé era significativamente mais longa do que a vida após o dilúvio.

No entanto, o leitor ocidental moderno assume que as idades e outros detalhes são narrativas cronológicas a serem tomadas literalmente. Não apenas o texto bíblico sugere outra interpretação, mas o contexto cultural também.

Autores antigos, incluindo escritores bíblicos, exageravam os números para transmitir conceitos teológicos.

Tal prática parece estranha, se não enganosa, mas as do mundo bíblico operavam em um conjunto diferente de suposições culturais.

Principalmente porque os números destinam-se a ilustrar, em vez de narrar, princípios maiores do que a simples cronologia.

Recentemente, ouvi alguém afirmar: “Bem, eu apenas acredito no que as escrituras dizem”. Aqui está o problema com essa afirmação: as escrituras não dizem nada; interpretamos as palavras através das lentes de nosso vocabulário, autoridades, cultura, pressuposições e suposições.

Em outras palavras, lemos o significado em palavras em vez de palavras que nos comunicam de forma objetiva o significado.

Quando o Senhor ensinou que devemos perdoar nosso próximo “até setenta vezes sete”, Ele quer dizer que meu vizinho tem precisamente 490 oportunidades de me ofender, mas na 491ª ofensa, ele está frito? (ver Mateus 18:22)

Quando uma passagem deve ser entendida, como dizemos, “literalmente”, e quando é figurativa ou metafórica? Existem outras opções além do literal e do figurado? Como podemos saber?

Nas escrituras, um dos exemplos mais comuns é a genealogia de Jesus em Mateus 1:1-17. Mateus relata a história da família de Jesus desde Abraão e conclui:

“De sorte que todas as gerações, desde Abraão até Davi, são quatorze gerações; e desde Davi até o exílio para Babilônia, quatorze gerações; e desde o exílio para Babilônia até o Cristo, quatorze gerações” (Mateus 1:17).

Mesmo uma leitura superficial de 1 Crônicas 3 sugere que Mateus brincou com os números omitindo ou duplicando gerações.

Quando Mateus lista Boaz imediatamente após Salmon, parece aos leitores modernos que Salmon era o pai de Boaz, mas, na verdade, há uma lacuna de cerca de 300 anos entre um e outro.

Mateus não registra somente a história de gerações que culminaram no nascimento de Jesus. Mateus faz um ponto teológico maior de que Jesus é o Messias há muito esperado.

Da mesma forma, João afirma: “e ouvi o número dos selados, e foram cento e quarenta e quatro mil selados, de todas as tribos dos filhos de Israel” (Apocalipse 7:4).

Interpretado literalmente, Deus só pretende salvar uma porção de Seus filhos que é o equivalente a população de Camaragibe, no Pernambuco?

Felizmente, Doutrina e Convênios 77:11 ilumina nosso entendimento ao sugerir que o número 144 mil é um número simbólico que representa realidades maiores.

Além disso, 144 mil é um múltiplo de doze, o que tem grande significado em relação à autoridade do sacerdócio para os antigos israelitas.

Muitos leitores da Bíblia reconhecem o significado do número sete como uma representação de completude, inteireza e perfeição.

“Em hebraico, a palavra para sete é ‘sheba’ ou ‘sheva’. Deriva da raiz savah, que significa “estar cheio” ou “satisfeito”, “ter o suficiente”.

A palavra Sabbath em inglês também deriva de ‘savah’, e significa um dia de descanso em que nenhum trabalho mundano deve ser feito.

As idades de Abraão, Isaque e Jacó, além de muitas outras pessoas importantes no Velho Testamento, são “números ideais”.

Além disso, José e Josué têm fortes conexões com o Egito, e ambos morrem aos 110 anos, que é a idade ideal nas inscrições egípcias.

Para os egípcios, o texto bíblico afirma através dos tempos de José e Josué que eles viveram uma vida perfeita e completa.

Para um leitor ocidental moderno, presumimos que eles morreram aos 110 anos. Isso pode ou não ser verdade porque provavelmente não é o ponto de vista do autor.

O certo é que ao estipular a idade de 110 anos, o autor atesta sua integridade e honra.

O Senhor revelou a Abraão que ele e Sara teriam um filho, “então caiu Abraão sobre o seu rosto, e riu-se, e disse no seu coração: A um homem de cem anos há de nascer um filho? E dará à luz Sara na idade de noventa anos?” (Gênesis 17:17).

Por que isso causaria tanta alegria se fosse comum ter um filho com mais de cem anos (ver Gênesis 5)?

Além disso, de acordo com o registro bíblico, o pai de Abraão, Tera, tinha 130 anos quando Abraão nasceu (ver Gênesis 11:32; 12:4).

Claramente, se Abraão tinha 100 anos e Sara 90 anos, não há necessidade de Abraão enfatizar tanto a sua idade e a de sua esposa.

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Agora, para ser claro, as escrituras dizem que Abraão e Sara já passaram da idade de ter filhos, mas suas idades declaradas não devem ser tomadas literalmente, mas como uma declaração hiperbólica projetada para fazer um ponto teológico.

Abraão morreu com a idade de 175 anos. Moisés então observou: “Abraão expirou e morreu em boa velhice, velho e farto de dias; e foi acongregado ao seu povo” (ver Gênesis 25:7-8).

Se as idades dos patriarcas eram literais quando medimos o tempo, então Abraão não era apenas relativamente jovem, mas também um garoto.

Por que ele seria considerado um homem “velho e farto de dias” quando seus ancestrais patriarcais viveram mais de 900 anos?!

Além disso, de acordo com a narrativa bíblica, o bisneto de Noé, Eber, teria sobrevivido a Abraão.

Dito de outra forma, Eber era o bisavô de Abraão. Se as eras patriarcais são representações literais de um calendário cronológico, então a morte de Abraão foi uma tragédia por causa da relativa brevidade dos escassos 175 anos de Abraão.

Talvez o mais dramático de tudo, se fôssemos somar as idades dos patriarcas de Adão até Moisés, chegaríamos a 12.600.

Esse número podem parecer não significar nada, mas o número 1.260 é frequentemente usado como um tempo de provação ou tempo sagrado onde Deus realiza seus propósitos.

Daniel fala de “um tempo, e tempos, e a metade de um tempo” (Daniel 7:25; 12:7), que poderia ser expresso como três e meio.

Esse número se correlaciona com o uso do número pelo apóstolo João no livro de Apocalipse, onde duas testemunhas com poder selador profetizam por “mil duzentos e sessenta dias” (Apocalipse 11:3).

Além disso, a mulher que dá à luz seu filho, símbolo da Igreja que dá à luz o reino de Deus, é perseguida pelo grande dragão por “mil duzentos e sessenta dias” ou “anos”, segundo o Tradução de Joseph Smith.

A profecia de Daniel de que o Messias seria “cortado” no meio da semana se correlaciona com três dias e meio (ver Daniel 9:24-27).

Na narrativa patriarcal de 12.600 anos, vemos Adão deixar o Éden e os filhos de Israel voltarem para a terra prometida, que, como o Éden, era uma terra “que mana leite e mel”.

Eu diria que as eras não são cronologias literais, mas figuras de linguagem exageradas com o propósito de ensinar verdades teológicas maiores.

Abraão e Sara estavam além dos anos típicos de ter filhos, mas devemos tomar os números declarados como ensinando pontos teológicos em vez de cronológicos.

A idade de quarenta anos de Moisés no Egito, quarenta anos no deserto e quarenta anos liderando Israel não declara uma narrativa cronológica, mas afirma a mão de Deus trabalhando através de Moisés na salvação de Israel (ver Atos 7:23-36).

Doutrina e Convênios testemunham a linhagem patriarcal na narrativa bíblica. O Senhor revelou sua autoridade, obra e glória primeiro a Adão, depois sucedeu em cada geração.

“Três anos antes de sua morte, Adão chamou Sete, Enos, Cainã, Maalalel, Jarede, Enoque e Matusalém, todos sumos sacerdotes, e também o restante de sua posteridade que era justa, ao vale de Adão-ondi-Amã; e lá lhes conferiu sua última bênção.” (D&C 107:53, ver versículos 41–56).

Nota-se que há um período de gerações presentes que nunca poderia ocorrer nas condições atuais e nas expectativas de vida.

No entanto, duas coisas podem ser verdadeiras ao mesmo tempo. Eu diria que os números e as idades devem ser entendidos de acordo com o contexto cultural antigo e, ao mesmo tempo, as condições eram tais que várias gerações pudessem viver e servir juntas.

O ponto mais significativo é que as eras trabalhando em harmonia umas com as outras afirmam a mão e a direção de Deus através das gerações.

Para aqueles do antigo Oriente Médio, uma maneira de tipificar Deus, ou os deuses, trabalhando por meio de um indivíduo, rei ou faraó era exagerar números e anos enquanto ligava eventos históricos a esses mesmos números.

Isso não se manifesta apenas no registro bíblico, mas é atestado no contexto cultural mais amplo do antigo Oriente Médio.

Por exemplo, uma inscrição do rei assírio Salmaneser I, que viveu aproximadamente na época do Êxodo e da conquista de Canaã, afirmou que ele engaanou e levou 14.400 em sua captura do Mittani.

Seu sucessor imediato declarou que ele escravizou 28.800, ou precisamente o dobro do que Shalmaneser realizou.

A hipérbole fazia parte da cultura, não para enganar, mas para enfatizar princípios significativos maiores do que a simples narrativa cronológica.

Isaías vê o nascimento de Cristo

Claramente, o Senhor trabalha nos assuntos de seus filhos em todas as gerações. O Senhor toma indivíduos, “indoutos e desprezados”, e debulha as nações pelo poder de Seu espírito.

“14 E o braço deles será o meu braço”, disse o Senhor, “e serei seu escudo e seu broquel e cingir-lhes-ei os lombos e eles lutarão virilmente por mim; e seus inimigos estarão sob seus pés; e deixarei cair a espada em seu favor e pelo fogo de minha indignação preservá-los-ei” (D&C 35:13–14).

Por fim, os autores bíblicos demonstram que a expectativa de vida típica é como a nossa. O salmista afirmou uma expectativa de vida entre 70-80 anos (Salmos 90:10).

Isaías profetizou que uma das grandes bênçãos do milênio é uma vida longa, uma vida além dos típicos 70-80 anos. Isaías escreveu:

“Não haverá mais nela criança de poucos dias nem velho que não cumpra os seus dias; porque o amenino morrerá de cem anos, porém o pecador de cem anos será amaldiçoado”.

Mais tarde, ele ensinou que a vida será justa e frutífera e “serão como os dias da aárvore, e os meus eleitos desfrutarão das obras das suas mãos até a velhice” (Isaías 65:20-22).

Parece que a duração da vida durante o reinado milenar é o número redondo de 100, mas a qualidade de vida é a da árvore. Eu diria que a referência à árvore é um eco do Salmo 1 e outras referências onde nossas vidas serão como Aquele que é a Árvore da Vida.

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A arca de Noé e o dilúvio

“E viu o Senhor que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra, e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente” (Gênesis 6:5).

Isso significa que todo homem, mulher e criança só pensava em matar o seu próximo? Quão mal é o “mal” aqui, ou é algo além de uma contravenção?

Qual padrão para uma contravenção devemos usar? Os leitores assumem que Gênesis 7:17-24 é evidência de que o dilúvio foi global e não local ao ler a narrativa do dilúvio.

Embora uma leitura casual sugira isso, alguns problemas surgem rapidamente ao ler o restante do Velho Testamento.

Lembre-se, aqueles do antigo Oriente Médio frequentemente usam linguagem hiperbólica para enfatizar conceitos teológicos vitais.

Gênesis 7 parece bastante claro em relação a quão amplo e global o dilúvio prevaleceu:

“E as águas prevaleceram excessivamente sobre a terra; e todos os altos montes, que havia debaixo de todo o céu, foram cobertos” (Gênesis 7:19).

Além disso, “expirou toda a carne que se movia sobre a terra”.  No entanto, na destruição de Jerusalém pelos babilônios, encontramos este lamento:

“Convocaste os meus temores em redor como num dia de solenidade; nem houve alguém no dia da ira do Senhor que escapasse, nem quem ficasse; os que trouxe nas mãos e sustentei, o meu inimigo os consumiu.” (Lamentações 2:22).

Esta passagem diz que no mínimo, tudo acabou. No entanto, o registro bíblico indica que alguns foram levados para a Babilônia enquanto outros permaneceram em Jerusalém.

Quando o Senhor disse: “o temor de vós e o pavor de vós serão sobre todo animal da terra,” (Gênesis 9:2), essa profecia de “todos os animais” inclui meu o vira-lata fofinho?

Quando a Bíblia afirma, “e todas as terras iam ao Egito, para comprar de José, porquanto a fome prevaleceu em todas as terras” (Gênesis 41:57), devemos incluimos aqueles que viviam em terras que agora chamamos de China, Nova Zelândia ou Uruguai?

Novamente, o uso da hipérbole é um método de enfatizar conceitos teológicos para efeito retórico. Eles não devem ser interpretados literalmente.

Não podemos escolher quando as coisas são literais e figurativas. Se você quer seu dilúvio global, vá em frente, mas você não pode usar o texto bíblico para apoiar a afirmação, a menos que aplique o mesmo padrão em todos os outros lugares.

A chave para a interpretação é o que o autor original pretendia transmitir, e não nossas suposições lidas no texto para se adequar à nossa tradição.

Chegar ao significado dos autores originais deve incluir contexto literário, religioso, linguístico e histórico.

Embora muitas culturas em todo o mundo tenham mitos, lendas e histórias de um grande dilúvio, o texto bíblico não exige uma catástrofe global.

Embora o dilúvio possa ter sido uma catástrofe global e os patriarcas pudessem ter vivido mais de 900 anos, essas ideias não podem ser afirmadas ou demonstradas usando o texto bíblico.

Se quisermos ser fiéis ao gênero, à intenção dos autores e às suposições culturais, devemos entrar em seu mundo da melhor maneira possível.

O antigo Oriente Médio usava números para efeitos dramáticos em vez de descrições quantitativas literais. Muitos leitores contemporâneos modernos estão totalmente perdidos no uso hiperbólico de números, gematria e outras práticas semelhantes.

Portanto, quando alguém diz: “Acredito no texto literalmente”, isso deturpa a intenção do autor original, porque o que um texto significava antigamente pode significar algo diferente hoje.

Palavras e traduções não têm significado em si mesmas. Atribuímos significado ao texto com base em nossas suposições, cultura e linguagem.

Para concluir, ao ler o Velho Testamento, ou qualquer outra escritura, a perspectiva de Néfi é primordial. Néfi declarou:

“Eis que minha alma se regozija em provar ao meu povo a veracidade da vinda de Cristo; pois para esse fim foi dada a lei de Moisés; e todas as coisas que foram dadas por Deus aos homens, desde o começo do mundo, são símbolos dele” (2 Néfi 11:4).

O grande número e variedade de outras peculiaridades no Velho Testamento são o produto de culturas separadas por centenas e milhares de anos.

Muitas das perguntas que temos podem ser respondidas quando olhamos para todo o texto bíblico em vez de interpretar míopes passagens através das lentes das suposições modernas.

Em tudo isso, Deus trabalha nos assuntos de Seus filhos. O velho Testamento é outra testemunha de que Jesus Cristo “foi o Grande Jeová do Velho Testamento e o Messias do Novo Testamento”, e continua por meio do trabalho da restauração.

Fonte: Meridian Magazine

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